Uma das grandes falácias da última década é a de que tecnologia solucionaria todos os problemas da sociedade. Esta visão foi prontamente abraçada por muitas organizações, quase como um passe de mágica que consertaria questões fundamentais como processos e burocracia.
Ainda bem, essa abordagem está mudando rapidamente. A resistência ao determinismo tecnológico foi uma das previsões para o ano de 2019 da edição britânica da revista Wired. O tema foi um dos que mais me chamou a atenção em toda a edição, ilustrado de forma muito elegante por Matthew Taylor, CEO na Royal Society of Arts.
Ideias reducionistas em que tecnologia salvará o dia ganharam novo ímpeto no final dos anos 2000, com a adoção de produtos de consumo no ambiente corporativo, notavelmente smartphones e ferramentas baseadas na nuvem. Gestores de tecnologia tiveram que lidar com corpos estranhos que não conseguiam “controlar” e sua função questionada — me incluo neste rol, tendo escrito um livro sobre o papel do CIO na era da informação.
Durante vários anos, ouvi histórias de executivos de TI pressionados por colegas de outros departamentos, que traziam soluções supostamente muito mais arrojadas para melhorar suas ofertas de negócio, gerando demandas que pareciam impossíveis de entregar. De forma geral, a reação destes gestores não parecia ser positiva.
Claro, houve CIOs com uma atitude mais progressista desde o início desta onda de evolução tecnológica, mas outros tantos se agarraram às suas antigas bases de poder e resistiram à mudança. Felizmente, a sabedoria popular de que “a fila anda” também se aplica à evolução do mindset dos tomadores de decisão de TI.
Os líderes que conseguiram navegar este cenário de complexidade e de mudança de suas próprias funções mantiveram suas cabeças fora d’água com ações como a migração de legados de alta manutenção para a nuvem, enquanto ganhos rápidos para os colegas eram viabilizados com pilotos usando tecnologias emergentes.
Quero aludir mais uma vez às observações de Taylor, que aponta que, ao passo em que algumas tecnologias como a medicina personalizada avançam, outras, como carros autônomos, ainda estão distantes de se tornarem amplamente difundidas. Estamos, Taylor diz, numa situação baseada na lei de Amara, em que tendemos a superestimar o impacto das tecnologias no curto prazo e a subestimar o mesmo impacto no longo prazo.
Passado um tempo de “deslumbramento” tecnológico, questionaremos muito mais nossa adoção de novos produtos e ferramentas. Constataremos que, para muitas funções, a tecnologia de ponta pode não ser aplicável, ou mesmo desejada.
Evidência disso está na desaceleração global nas vendas de smartphones, que sugere que nem todos querem ou precisam ter o último modelo. A alta no consumo de discos de vinil, livros e fotografia analógica são outros exemplos deste movimento.
Ao mesmo tempo, Taylor aponta, há um movimento em curso onde começamos a parar antes de nos deixarmos seduzir pela última engenhoca e pensar se esta inovação realmente contribui em termos de sustentabilidade, desenvolvimento pessoal e bem estar. Em suma, questionar se a tecnologia nos ajuda a viver melhor. Quem dorme com o celular sob o travesseiro que atire a primeira pedra.
No ambiente corporativo, a reavaliação de padrões de adoção de tecnologia se tornará cada vez mais evidente, e levará a melhores escolhas. Passados vários anos desde a enxurrada de ferramentas de consumo no ambiente de trabalho, agora é possível avaliar o resultado da coexistência destas soluções (ou problemas) no ecossistema das organizações.
Muitas empresas ainda estão tentando chegar a um ponto em que será possível inovar de fato. Estas estão tentando gerenciar a complexidade gerada pela famigerada TI sombra, onde sistemas foram implementados em paralelo aos recursos tecnológicos que a empresa implementa e controla. Aqui, coube ao CIO resolver o “espaguete”, termo usado para definir tais situações, que invariavelmente tendem a arrastar produtividade e consumir recursos.
Por outro lado, muitas das mudanças resultantes da aceitação de que a combinação da tecnologia usada em casa e no escritório impacta fundamentalmente qualquer negócio, bem como da crescente educação tecnológica da população, foram bem-sucedidas. Funções novas dedicadas à transformação digital foram criadas e mais recentemente, iniciativas de co-criação.
Neste cenário mais, digamos, “evoluído”, o CIO poderá ter um diálogo com pares de outras áreas de negócio de uma forma mais informada e, finalmente, mais madura. Neste novo nível de evolução, o gestor de tecnologia e seus colegas de outros departamentos chegarão juntos num patamar onde o que é possível fazer com tecnologia se torna mais óbvio.
Para o que não for tão evidente, o líder de tecnologia continuará a exercer sua paciência e recorrer aos seus recursos e conhecimentos (que nem sempre estarão disponíveis de imediato) para aconselhar sobre o rumo a seguir. Um CIO do setor de educação recentemente me disse que se vê como um pastor, guiando o caminho do rebanho com dois cães de pastoreio, se referindo aos seus dois diretores de arquitetura e de infraestrutura. Não sei até que ponto tal analogia pode ser repetida em público, mas a ideia é mais ou menos esta.
No futuro próximo, avaliaremos o valor da tecnologia aplicada em nossas vidas e no trabalho, e começaremos a admitir que talvez precisemos de apoio para fazer as escolhas certas. A visão de que resistiremos cada vez mais ao determinismo tecnológico certamente é uma ótima notícia para os gestores de tecnologia. E para todos nós.
Angelica Mari é uma jornalista especializada em tecnologia e inovação. Escreve periodicamente sobre o assunto para a Forbes e contribui para a BBC e diversos outros veículos internacionais.
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