Uma linguagem computacional que permite utilizar o imenso arquivo de dados disponível online para gerar mais inteligência coletiva e conhecimento. Esse pode ser um bom resumo do que pretende a IEML, Metalinguagem da Economia da Informação, criada pelo filósofo Pierre Lévy para criar mais uma camada de inteligência na web.
Em uma entrevista à Folha, Lévy explica mais: “A IEML é uma língua, como português ou francês, que tem a característica de ter semântica computável e de ter significado unívoco. Hoje, os algoritmos conseguem entender linguagem natural com cálculos estatísticos. Com IEML, o significado é diretamente acessível e pode ser usado como um sistema semântico universal”.
Ou seja, com a IEML, superam-se as barreiras idiomáticas e sistemáticas, permitindo aos algoritmos construir sistemas complexos de informação, onde se tem acesso a enormes volumes de dados e liberdade para manejá-los e investigá-los de acordo com a curiosidade ou necessidade.
Como surgiu a IEML (Metalinguagem da Economia da Informação)
Um grande investigador e estudioso do universo digital, o filósofo Pierre Lévy imaginou uma forma de transformar a memória – representada pela internet e seu conteúdo – em inteligência coletiva e conhecimento efetivo. Assim nasceu a ideia de IEML, Information Economy Meta language, que vem sendo desenvolvida desde 2002 por ele, em associação com matemáticos, tecnólogos e outros estudiosos, graças ao financiamento e apoio do governo canadense.
O projeto de pesquisa e desenvolvimento de Lévy pode ser conhecido em seu livro The Semantic Sphere 1, de 2011. O desenvolvimento da IEML em 2019 tem quatro principais linhas: matemática, ciência de dados, linguística e software.
A matemática permite que a IEML classifique o máximo de informação possível de acordo com as relações, distâncias, proximidades, analogias, classes e outras relações. São cálculos muito complexos, que contaram com a ajuda do Prof. Dr. Andrew Roczniak e hoje contam com a colaboração do físico brasileiro Wilson Simeoni Junior, que colabora na construção.
A ideia é criar rizomas semânticos que permitem relacionar temas e estruturas de acordo com desenhos mais orgânicos, com relações e comportamentos dinâmicos, que mudam conforme o uso, o volume de informação e as interações. Isso permitirá que a IEML funcione como um mapa para o sistema de informação mundial.
A ciência de dados, comandada pelo engenheiro de software Louis van Beurden, está em andamento. É possível conferir o projeto no blog do professor Lévy. A ideia é testar a eficiência da IEML em comparação com os metadados como são usados hoje e, caso a hipótese se confirme, produzir a automação e o aprendizado de máquina semântico. Isso significa, sim, Inteligência Artificial. E a hipótese é que as máquinas aprenderão mais facilmente quando usarem IEML, criando uma forma de AI simbólica, desenvolvida com fatos e regras e não mais com estatística.
Na linguística, o projeto permitirá o desenvolvimento de fato das ciências humanas.
Segundo Lévy, as ciências humanas “ainda estão na Idade Média”, sem consenso conceitual.
A IEML ajudaria a consolidar as diferentes teorias e discordâncias, permitindo o avanço do conhecimento.
A criação do software já está em andamento no GitHub. O primeiro desenvolvimento é voltado à linguagem e envolve três módulos: o dicionário (um editor de morfemas); um editor de caracteres e palavras, ou o léxico; e a base de dados IEML, que permite navegar e ler todos os elementos (hoje disponível em francês e inglês).
A promessa da IEML
Ao criar uma forma de navegar pelo conhecimento, a IEML cria uma inteligência coletiva além das barreiras idiomáticas, das tradições e até interdisciplinares, construindo pontes entre diferentes categorias e informações, construindo o que Lévy chama de inteligência coletiva.
A promessa da IEML é conectar humanos e máquinas. Afinal, ao criar uma linguagem regular, matemática, que pode ser traduzida em línguas naturais, compreensível pelos humanos, a IEML permite acessar não só informação crua e banco de dados, mas toda a sua genealogia, o rizoma onde se conecta.
No contexto atual, em que as inovações permitem a existência de computação ubíqua, sistemas de IoT (a Internet das Coisas) e uma interconexão entre o físico e o digital como nunca vista, a IEML pode ser a gramática que permitirá fazer construções e dar acesso a esse novo universo de possibilidades – e à transparência de dados e informações online.
A promessa de Lévy e de seus colaboradores é criar uma complexa camada de correlações sobre a nossa grande Biblioteca de Alexandria já disponível, mais conhecida como internet. O acesso ao produto da IEML, diz Lévy, pode ser disponibilizado tanto em meio digital, através de realidade virtual ou aumentada, como no dia a dia físico, através de projeções interativas.
Usos, benefícios e futuro da IEML
O que de fato está quase pronto – que Lévy promete consolidar em 2020 – é a gramática da IEML. Suas aplicações práticas estão rodando no Git do projeto e em uso pela revista científica Sens Public, do Canadá, que já começou a usar o dicionário e editor de morfemas disponíveis.
Embora seu uso esteja mais disseminado em instituições de ensino, a nova linguagem poderá, sim, ajudar empresas a construir novos ecossistemas de informação e conhecimento, permitindo uma verdadeira revolução nos negócios.
Na verdade, o maior desafio para o futuro da IEML é a questão da adoção. Afinal, já sabemos: quanto maior o uso, mais formas e possibilidades se criam, mais flexibilidade, mais aplicações. E enquanto Lévy está investindo tudo no seu desenvolvimento e adoção, o próprio pai da internet, Sir Tim Berners-Lee, desenvolve outro projeto similar, a Web Semântica.
A IEML como ferramenta de construção de conhecimento ajuda tanto instituições de ensino como empresas a gerir e propagar conhecimento de uma forma mais complexa e não linear. Da conjunção de seres, coisas e signos, Pierre Lévy construiu um projeto complexo, que ajuda a tecnologia e a computação a utilizar modelos que tendem a criar ecossistemas mais consistentes e produtivos.
Como resultado, pode ser que a IEML termine por oferecer, além de inteligência para as máquinas, mais inteligência para a humanidade. E grandes oportunidades para as empresas que se envolverem.
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