É difícil imaginar que ano após ano a gente precise retomar o debate sobre a validade ou não de ações afirmativas que visem a inclusão de grupos socialmente minorizados e/ou sub-representados no Brasil e em várias partes do mundo.
A última da vez foi envolvendo a rede social de vagas de emprego LinkedIn. A empresa que possui mais de 740 milhões de usuários e está presente em praticamente em todos os países voltou a excluir anúncios de vagas exclusivas e/ou prioritárias a pessoas negras e indígenas no Brasil. As empresas afetadas foram a instituição de pesquisa Laut e a startup de tecnologia QuintoAndar.
A nota que explicava a exclusão das vagas foi baseada na política global da empresa que entende que “pessoas com os mesmos talentos devem ter acesso às mesmas oportunidades”, indicando que vagas afirmativas são entendidas como ações discriminatórias e criam uma situação de desigualdade entre talentos.
Apesar da empresa ter voltado atrás em sua abordagem e informado que mudaria sua política para a América Latina, este episódio nos põe em alerta sobre a necessidade de reafirmarmos nossa posição em relação a políticas de inclusão.
Convido você a refletir sobre sobre a inclusão em processos seletivos no Brasil e no mundo como um todo.
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Resumindo o caso
Tudo começou quando a instituição brasileira de pesquisa Laut anunciou no LinkedIn uma vaga de emprego em que candidatos negros e indígenas eram preferidos.
Para o Brasil, o anúncio foi inofensivo (na verdade, foi até bem visto por muitos como um passo para reverter a desigualdade, especialmente em cargos mais altos).
Em seguida, o LinkedIn retirou essas ofertas de emprego, explicando que a decisão foi baseada na atual política global da empresa.
Isso teve grandes (e péssimas) repercussões no país. Dezenas de grandes empresas protestaram, promotores federais abriram inquéritos e ativistas processaram.
A multinacional Natura&Co (também dona da Avon e da The Body Shop) assinou um manifesto de repúdio à decisão do LinkedIn. Outros gigantes como Oracle, Unilever, Bayer, Ambev e Santander também manifestaram apoio às iniciativas de rejeição.
E foi ainda mais longe: o Ministério Público Federal notificou o Linkedin para prestar esclarecimentos sobre o caso.
Após toda a pressão, o LinkedIn havia revertido sua abordagem e informado que mudaria sua política para a América Latina.
Com a sua licença: a palavra desigualdade
A palavra desigualdade possui o poder de causar diversos sentimentos nas pessoas: tristeza, raiva, indiferença, surpresa ou ainda indignação. No dicionário, essa palavra traz como explicação: caráter, estado de coisas ou pessoas que não são iguais entre si; dessemelhança, diferença.
Gostaria de destacar aqui o trecho que diz “pessoas que não são iguais entre si” — e eu não poderia concordar mais e reforçar que todas as pessoas são diferentes. A diversidade humana nos permite ver o mundo com uma riqueza de pensamentos divergentes e modos de ser e estar plurais.
Acontece que, devido às nossas diferenças ou características que nos compõem (raça, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência, origem ou geração), somos colocados em uma posição de maior ou menor acesso a recursos e oportunidades.
Assim como ensina Djamila Ribeiro, pensadora e escritora feminista brasileira, o Locus Social nos permite ver como as dinâmicas sociais reproduzem e alimentam as desigualdades. Ou seja, ações afirmativas não produzem desigualdades, como tentou assinalar a plataforma de empregos, mas ao contrário, tais ações buscam combater o mito da meritocracia e diminuir as disparidades no mercado de trabalho.
Para além do Brasil
Ações afirmativas não são novidades em nosso país. Apesar da Lei de Cotas ter sido aprovada somente em 2012, ações que visam a reserva de vagas em Universidades a estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas acontece desde os anos 2000.
Vale lembrar também que, desde 1991, temos a Lei que prevê um número reservado em empresas para pessoas com deficiência, a fim de assegurar a inclusão dessa população no mercado de trabalho.
Nessa mesma linha, já há previsão de cota por gênero em partidos políticos e até mesmo reserva de vagas para mulheres nas Casas Legislativas em todos os níveis federativos, em ambos os casos de 30%.
No contexto global é possível encontrar políticas muito similares a estas. Na Índia, por exemplo, desde a década de 1930 existem cotas raciais em todos os serviços públicos. Na Malásia, Austrália e Nova Zelândia também existem políticas que buscam diminuir a desigualdade entre grupos sociais.
Nos EUA, apesar de não haver uma lei que obrigue Universidades a reservarem cotas raciais, desde os anos 60 percebemos movimentos dentro destes espaços na busca por candidaturas diversas às posições abertas. Lá, a Suprema Corte Americana permite que as Universidades usem recortes sociais de raça e gênero, por exemplo, como um dos fatores para aceitarem estudantes.
Com isto, verificamos que ações afirmativas são utilizadas por diferentes países e em diferentes contextos como uma ferramenta poderosa na diminuição das desigualdades sociais.
Avançamos muito, mas ainda não é o suficiente
Voltando um pouco para o Brasil, nós conseguimos ver alguns resultados de políticas afirmativas, a exemplo do aumento de 400% entre 2010 e 2019 no número de estudantes negros (pretos e pardos) em Universidades brasileiras. Pela primeira vez, a população que se declara de cor preta ou parda passou a representar mais da metade dos estudantes de ensino superior da rede pública, atingindo a presença de 50,3%. Contudo, isso não se traduz em mais pessoas negras no mercado de trabalho.
De acordo com o Instituto IDados, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD Contínua) do IBGE, no primeiro trimestre de 2020, 35% de pessoas negras com ensino superior trabalhavam em cargos que dispensavam diploma.
Quando olhamos para cargos de chefia, apenas 4,9% de pessoas negras ocupam cadeiras nos Conselhos de Administração das 500 empresas de maior faturamento no Brasil. Nos EUA trabalhadores negros, indígenas americanos e nativos do Alasca permaneceram duas vezes mais propensos a estarem desempregados do que seus colegas brancos.
E o que isto nos revela?
Que precisamos de muito mais intencionalidade, e principalmente de ações coordenadas entre governos, empresas e sociedade civil na busca maior equidade no mercado de trabalho e na sociedade como um todo.
E é aqui que voltamos às ações afirmativas que preveem exclusividade ou prioridade a certos grupos sociais em vagas de emprego.
A luz não pode estar no final do túnel, ela precisa estar presente em todos nós
A Rock Content, desde janeiro deste ano, também tem estruturado ações e políticas que criam vagas exclusivas e prioritárias não apenas para pessoas com deficiência, mas também para pessoas transgêneras. E os primeiros resultados já podem ser observados com contratações que atendem tanto o quesito diversidade, como também a necessidade do negócio. Pessoas candidatas diversas e competentes estão disponíveis no mercado. O que empresas precisam fazer — e se possível com o apoio de redes como o LinkedIn — é oferecer oportunidades.
Para além da contratação, empresas e governos precisam trabalhar para mudar a estrutura que produz e reproduz desigualdades. É preciso revisitar processos, mudar mentalidades e converter nossas palavras em ações que verdadeiramente incluirão todas as pessoas.
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