Uma jornada não-binária no ambiente profissional

Um breve depoimento pessoal da minha trajetória como agente trans não-binárie e com não-conformidade de gênero — e o impacto que o ambiente profissional teve nisso.

Atualizado em: 21/09/2022
uma jornada nao binaria

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Sou Ariel Mendes, um orgulhoso agente trans não-binário com não-conformidade de gênero de uma grande cidade do sudeste do Brasil, Belo Horizonte, ainda estou em fase de avaliação dos meus pronomes de preferência então fiquem a vontade para usar ele/dele, ela/dela, ile/dile e elu/delu.

Nasci e cresci fora das expectativas convencionais de papéis de gênero em uma família típica de classe média formada por membros cis e heterossexuais, exceto eu.

Quando criança, eu adorava os saltos altos e a maquiagem da minha mãe — “é claro”, de maneira escondida dela e dos meus dois irmãos, enquanto meu pai estava super ocupado no trabalho. Também preferia ter amigas e brincar de casinha e boneca. Mariana Linhares foi minha primeira amiga próxima, e tínhamos apenas 4 anos.

Desde muito jovem, tomei as mulheres nos meus círculos íntimos como modelos, começando com minha mãe, depois minhas tias e professoras. Feminino sempre significou o maior poder para mim!

Sempre tive paixão por línguas, humanidades e ciências sociais, porque foi lá que encontrei um espaço para escrever, falar e criar coisas. Tudo isso me fez sentir como um peixe fora d’água em conversas com meus amigos homens. Dito isso, é um fato que eu era um garoto não-conformista de gênero pronto para sair da caixa.

Como uma criança não-conformista de gênero, eu não conseguia fugir das estatísticas e sofri bullying e discriminação, principalmente na escola. É por isso que não tenho muitos amigos dessa época da minha vida.

Hoje, entendo que meus colegas e eu não fomos educados para lidar com esse tipo de diversidade, mesmo com acesso a uma escola particular da quarta maior e mais rica cidade do país.

Primeiros passos, ainda descobrindo e querendo fazer mais

Não foi um processo fácil deixar a escola e recomeçar do zero, mesmo depois de vários anos de experiências difíceis. Mas essa condição pode ter me ajudado a vivenciar uma jornada de sucesso pela Faculdade de Direito na 2ª melhor universidade do Brasil.

Candidatei-me a estudar Direito porque a liberdade de expressão e a autoexpressão já faziam parte dos meus valores, e não por coincidência, eu me assumi publicamente pela primeira vez como um homem gay com um beijo público em uma festa de calouros, e pela primeira vez na minha vida, senti que tinha um lugar neste mundo fora de casa.

Do meu ponto de vista, o processo de me assumir nunca foi uma jornada individual, então, me questionei sobre o que eu poderia ter feito para melhorar a experiência da minha comunidade na Faculdade de Direito, já que muitos de meus colegas ainda estavam no armário.

A partir desse desafio, me orgulho de ter assumido a liderança para inspirar pessoas a ocupar espaços tradicionalmente dominados por homens cis e heterossexuais, tornando-me o primeiro homem gay a ser Presidente da Associação Atlética; depois, o primeiro Presidente da Liga das Associações Atléticas do meu estado; e também cofundei o Fanta Uva Desportistas Unidos, o primeiro time de futebol gay a disputar os torneios internos.

Durante cerca de 10 anos da minha vida, a alternância entre as orientações gay e bissexual me representava bem, e essa fluidez nunca foi grande coisa nem uma limitação para o meu espírito aventureiro.

Eu lembro de viver feliz e de forma natural como agente LGBTQIAP+ onde quer que morasse: em cerca de 10 cidades diferentes no Brasil, nos Estados Unidos e em Moçambique, e visitando mais de 20 países.

Ainda não sei como superei situações desafiadoras como viajar e cruzar fronteiras em países como Etiópia, Zâmbia e Zimbábue, lugares onde ser gay ainda é crime. Também não sei como consegui viver com um parceiro masculino em Moçambique, um país onde as relações homossexuais deixaram de ser crime apenas alguns meses antes de me mudar para lá.

Mais do que ser corajoso e ousado viajar para o exterior como cidadão gay para geografias inseguras, incentivar e libertar pessoas sempre fez parte da minha missão, e sou grato por fazer a diferença em algumas vidas.

Fiz isso liderando grupos de afinidade, lançando campanhas de orgulho e organizando eventos para melhorar a experiência da comunidade LGBTQIAP+ nos locais de trabalho em que estive, como o Nubank, o maior banco digital do mundo com operações no Brasil, na Colômbia e no México.

O que eu não sabia naquela época é que tudo era apenas o começo para mim enquanto navegava entre as letras no mundo LGBTQIAP+.

Outro ponto de virada

Basicamente, em maio de 2021, vivenciei uma semana muito intensa mudando para um novo espaço em plena pandemia: cidade, casa e emprego.

As ondas não foram nada boas, e um relacionamento de dois anos se foi nesse mesmo período. Pela primeira vez na minha vida, cheguei ao fundo do poço e entendi que talvez superar a pergunta recorrente na minha mente fosse o único caminho: eu sou trans? Foi assim que comecei o capítulo da minha vida trans não-binária na Rock Content.

Antes de avançar para esse processo, é importante mencionar que eu já estava lidando com alguns episódios recorrentes de disforia de gênero, mas não com clareza nem consciência; e somente após essa semana intensa, os episódios começaram a ocorrer com uma frequência muito maior.

Me vi paralizar no meio de um ciclo de autorrejeição, rejeição pela sociedade e rejeição nas redes sociais — o que não estava ajudando muito —, comecei a ter curiosidade e pesquisar mais sobre a experiência trans não-binária, e tomar providências para abraçar a mudança. Afinal, o novo sempre vem, gente! Desistir não é uma opção. Superar cada barreira ou derrota é melhor do que vencer. Derrubar inimigos mentais diariamente é um grande prazer!

Sendo eu na Rock Content

O que posso compartilhar dessa experiência é que eu tive sorte por dois motivos principais: primeiramente, minha família e meu círculo íntimo de amigos em geral me ofereceram todo o suporte necessário; depois, o local de trabalho na Rock Content era carinhoso e gentil.

Em relação ao local de trabalho, três pontos principais permanecerão nas minhas memórias.

  • Diego Gomes, um dos fundadores e CEO da Rock Content, me enviando uma mensagem de texto com alguns memes e fragmentos de Lady Gaga (uma das minhas artistas favoritas), e seu consistente empenho e cuidado em fazer o uso mais adequado dos meus pronomes.
  • Lakeshia Highsmith, nossa vice-presidente de Pessoas e Cultura e a quem me reporto, me pegou no aeroporto quando eu estava em Washington e teve um jantar incrível comigo. Conversamos abertamente sobre identidades de gênero, o que demonstrou seu verdadeiro compromisso e preocupação comigo como pessoa.
  • Por último, mas não menos importante, a forma como fui abraçado por toda a equipe de RH, com mensagens e apoio quando decidi mudar minhas contas corporativas de Gabriel (nome de registro) para Ariel (nome preferencial), com um agradecimento especial a Nicholas Green, Gabriela Crego, Miguel Frizon, Juliana Arges, Sofia Cabral, Vanessa Figueiredo, Amanda Soares e David Reis.

Aprendi com a autora de Inclusify, Stefanie K Johnson, como é importante viver e liderar de uma maneira a reconhecer e celebrar perspectivas únicas e divergentes enquanto cria um ambiente colaborativo e de mente aberta, onde todos sentem que realmente pertencem.

Por enquanto, o que posso dizer é que a Rock Content é uma casa carinhosa e acolhedora, onde me sinto à vontade para ser a melhor versão de mim e, assim, ajudar a capacitar minha comunidade a ter sucesso no nosso local de trabalho. GO ROQUEER (nosso grupo na rede Rocker)!

Valeu universo! Ainda estou circulando dentro do LGBTQIAP+ e sinto que tenho meu propósito de vida renovado. É assim que começa meu segundo processo de me assumir: boas-vindas à minha vida trans não-binária! Esse ainda é o primeiro dia!

Ninguém pode parar ou silenciar você, se você for capaz de estabelecer seus limites. Se a sua faísca acender, siga-me. Temos muito a realizar em conjunto. O futuro é não-binário!

Este artigo também está na nova edição da Rock Content Magazine, lançada agora em agosto. Neste número trazemos conteúdos incríveis sobre diversidade, inclusão e acessibilidade, tema extremamente importante para marcas e para a sociedade hoje. Você pode baixar a revista aqui, é totalmente gratuita! Boa leitura!

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