Fazendo menos para fazer mais

Ser multitarefa quase já se tornou um hábito entre os profissionais, mas agora o singletasking ganha adeptos entre os que querem entregar com qualidade

Singlestasking: fazendo menos para fazer mais

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Fevereiro chegou e junto com o Carnaval, passou em um piscar de olhos. Nesse começo de um novo mês, que muitos ainda teimam em dizer que é quando o ano realmente começa, você ainda lembra das suas metas para 2020? Se a resposta é sim, será que as demandas diárias já são tantas que ficou difícil ter visibilidade daquelas promessas? Nesse caso, como seria se você tivesse prometido menos?

Enquanto escrevo este artigo e constato que tanta coisa já aconteceu dentro e fora de mim neste ano, lembro da minha “master meta”: conseguir um melhor equilíbrio entre trabalho, estudo, lazer, não fazer nada. Ao mesmo tempo, penso em tudo o que acredito que preciso fazer, e no fato de que muitos destes objetivos acabam criando muitos “to-do’s”. Que podem, inclusive, atrapalhar.

Quero entregar projetos que encantem clientes, me tornar instrutora de yoga, fazer aulas de pintura com a minha mãe, bolar muitas pautas bacanas para diversos veículos, tomar cerveja com os amigos e conhecer vários outros, fazer um trekking no Vietnã, juntar gente incrível para tocar iniciativas em que talvez eu participe, talvez não – e mais. Neste mundo de intenções, tem muita tarefa envolvida.

Quando falo sobre minhas atividades, não é raro ouvir a pergunta: como você consegue fazer tanta coisa? Amo o que faço, mas confesso: mesmo usando diversos métodos (como Getting Things Done, do instrutor de produtividade David Allen) e ferramentas para me organizar (como o Evernote e planners físicos), eu sofro – mentalmente e fisicamente – quando tento alternar entre tarefas, “adiantar” coisas.

Segundo a empresária Arianna Huffington, que fundou o The Huffington Post e hoje se dedica ao site de bem-estar Thrive Global, é justamente esse movimento, de tentar resolver uma coisa aqui, outra ali, que nos traga para uma espiral de negatividade: “[Fazer muitas tarefas ao mesmo tempo] é uma das coisas mais ineficientes e estressantes que você pode fazer. Também faz com que você desperdice a vida”, diz Arianna, que costuma lembrar de seus tempos de multitasker, em que nem conseguia dormir.  

São as coisas da vida, esses imprevistos e fatores que insistimos em controlar, que aumentam essa ânsia de dar conta de tudo ao mesmo tempo e o desapontamento quando simplesmente não conseguimos. Uma frase do empreendedor norte-americano Gary Vaynerchuk, o Gary Vee, que se apresentou no RD Summit do ano passado, toca nesse ponto e ficou comigo: “Quando se faz malabarismos para realizar diversos projetos, é inevitável e normal que algumas bolas caiam”.

O (alto) custo de fazer tudo ao mesmo tempo

A verdade – que você já sabe, mas não custa lembrar – é que não nascemos para executar mais de uma tarefa por vez. O máximo que conseguimos fazer é mudar de uma atividade para outra, mas nunca executar tudo junto com a mesma qualidade.

Quando teimamos em ser multitarefa, nosso “hardware” é severamente impactado: até a estrutura cerebral de quem pula entre uma atividade e outra é diferente. O leque de danos é extenso: ficamos bem mais cansados, a memória padece. E o pior: a prática pode se tornar um vício.

Segundo o neurocientista do MIT, Earl Miller, quando se alterna entre tarefas – por exemplo, você para de elaborar um plano de negócio para responder a mensagem de um antigo colega no LinkedIn – há uma perda cognitiva: “Recursos cerebrais preciosos, assim como energia, descem pelo ralo”, aponta.

Fazer muitas coisas ao mesmo tempo nos deixa menos focados e a qualidade do que realizamos, seja um bolo ou um relatório, também sofre. Importante dizer que o epicentro do tal do multitasking, o smartphone, também coloca vidas em risco: o uso de celular ao volante é a terceira maior causa de mortes no trânsito no Brasil.

Também há o aspecto dos danos emocionais de tentar dar conta de muita coisa ao mesmo tempo, que, curiosamente, é um dos mais relevantes no contexto corporativo. Um efeito bem visível dessa prática, segundo Kleber Wedemann, diretor de marketing para a América Latina na empresa de software SAS, é o stress crônico, que vem da normalização desta prática no ambiente de trabalho.

“Pessoas que buscam um altíssimo – e irreal – nível de produtividade através do multitasking o fazem para corresponder às expectativas de pares ou gestores, pois acham que eles são dotados desta capacidade de fazer tudo ao mesmo tempo”, afirma. “Isso tudo é uma falácia, pois a produtividade não reside aí.”

À medida em que o foco em competências sócio emocionais aumenta e gestores buscam melhores formas de aprimorar o desempenho próprio e de suas equipes, Wedemann acredita que executivos terão que dar um exemplo diferente:

“Líderes precisarão deixar óbvio para suas equipes que tentar a prática multitarefa gera malefícios: todos os problemas emocionais que isso causa geram índices de improdutividade e distração muito grandes”, alerta.

“[Adeptos do multitasking] tendem a demonstrar uma perda significativa da capacidade de discernimento do que é realmente urgente”, acrescenta. “Nesse ponto, qualquer modelo de eficiência de gestão cai por terra.”

Apesar de acreditar que a contribuição da tecnologia na produtividade, ilustrada em áreas como a automação, inteligência artificial, e plataformas de difusão de conteúdo contribuam para a melhora da utilização do tempo de pessoas altamente produtivas (por exemplo, a possibilidade de ouvir uma aula ou audiobook durante deslocamentos, ou a geração automática de relatórios), Wedemann tem procurado manter um equilíbrio na execução de tarefas.

“Todo executivo de alta performance tem que buscar o desenvolvimento pessoal, mas sou adepto do JOMO (joy of missing out, em inglês, algo como “a alegria de ficar de fora”) e não busco estar no olho do furacão do multitasking”, aponta.

O luxo de fazer menos

O avanço tecnológico mencionado por Wedemann também é um dos principais culpados pela nossa vontade de fazer tudo ao mesmo tempo, agora. Mas, passado nosso encantamento com ferramentas tecnológicas que insistem em enfatizar o multitasking, agora estamos quebrando estes paradigmas, segundo Daniela Dantas, diretora para a América Latina na empresa britânica de análise de tendências WGSN.

“O aumento da penetração da Internet e smartphones, que anda em paralelo com um contexto de bombardeio de informação, criou um falso senso de urgência para tudo – e isso está sendo cada vez mais questionado”, ressalta.

Segundo a pesquisadora de tendências, há um grande movimento em direção a práticas como o minimalismo digital com uma presença reduzida em plataformas digitais, o “detox” dessas mídias sociais e o aumento do singletasking, ou seja, a auto-atribuição de menos tarefas e atenção em uma coisa de cada vez.

“Tentaremos exercitar mais as habilidades que tínhamos antes da Internet, quando exercitávamos mais o cérebro de formas diferentes”, aponta. “A predominância atual do multitasking nos causa uma sensação de não conseguir finalizar nada de fato e veremos muito mais questionamentos, bem como atitudes sendo tomadas por pessoas sobre isso.”

 O “antídoto” para o atual contexto de excesso de tecnologia e informação resultará nesse aumento de foco, constata Daniela, que prevê um futuro próximo de tentativas de reorganização do cérebro e da forma de executar atividades. 

“A habilidade de se desconectar e de focar em menos coisas serão sinônimos de luxo”, prevê. “Isso é algo inverso ao multitasking, uma prática que surge por conta desse excesso e uma vontade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, quando na verdade não se faz nada.”

O singletasking não é algo utópico e inalcançável, mas um movimento cuja eficiência já é endossada por experts. O famoso psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi chama isso de “flow state”, ou seja, um estado mental de fluidez, uma zona de total imersão e foco, que leva a uma maior satisfação pessoal.

Na prática, as coisas não são tão simples assim. Tudo compete pela nossa atenção e reduz nossa capacidade de cumprir muitas tarefas, desde a doença de um ente querido até as constantes demandas do chefe ansioso, bem como uma série de circunstâncias que continuam a surgir: o acidente de trânsito, o colega que foi para a empresa concorrente, ser alvo de mais uma demonstração de machismo ou racismo.

 Nesse contexto de ambiguidade, o singletasking vem como uma mudança de comportamento, bem como uma busca por ferramentas que funcionem para você. Os blocos fundamentais são: a priorização das tarefas realmente importantes, seguida do comprometimento total à aquela atividade.

Claro, interrupções podem ser inevitáveis, mas separar ao menos um tempo de foco para uma tarefa de cada vez ajuda na sensação de cumprimento do dever, e aumenta a qualidade do resultado. Você pode fazer algumas mudanças no formato de trabalho, como colocar seu celular em modo avião por um tempo, usar o Bloco de Notas em tela cheia. O importante é experimentar meios de facilitar este processo.

Cultivar uma auto-observação e consciência sobre os gatilhos que fazem a mente viajar para longe daquela única tarefa também pode ser útil. Quando vier aquela sensação de soterramento, também vale fazer uma breve caminhada. Prestar atenção na respiração, por mais que pareça supérfluo, é importante, pois é um lembrete poderoso do tempo presente. Ou até mesmo, fazer nada por alguns momentos.

Além de tudo, como diz Gary Vee, uma dose de aceitação também é bem-vinda. Nesse malabarismo para dar conta das várias tarefas da vida, vamos deixar algumas bolas. Talvez o ideal seja ter visibilidade das poucas bolas que realmente precisam estar no ar, para que o show continue.

Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos e estudante de psicologia, com interesse em mudanças nos estados mentais das pessoas no contexto do avanço tecnológico. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC, Quartz e outros.

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