Como usar técnicas de roteiro para cinema e TV para melhorar seus textos

As técnicas de roteiro das suas séries e dos seus filmes preferidos podem ajudar você a produzir conteúdos criativos e envolventes.

Técnicas de roteiro para produzir conteúdo

As narrativas audiovisuais, como os filmes, as séries e as novelas, nos divertem, emocionam, provocam reflexões e, sobretudo, nos fazem sonhar. Essa capacidade imersiva surge, muitas vezes, graças a técnicas de roteiro que podem ser adaptadas para potencializar outros formatos — incluindo textos de Marketing de Conteúdo.

OK, a afirmação acima, talvez, soe aleatória e um pouco esdrúxula, mas a mistura e a relação entre mídias não é novidade para ninguém. O próprio audiovisual tem vocação para dialogar com outros formatos, vide o uso de trilhas sonoras em filmes, a presença dos jingles na publicidade ou a influência mútua entre o cinema e o novo jornalismo.

Por isso, o exercício de se inspirar em outras mídias ajuda quem se dedica à redação web a ampliar o seu repertório e tornar as suas produções cada vez mais originais. Então confira, com o perdão do péssimo trocadilho, este conteúdo cinematográfico que preparamos para você!

O que é um roteiro

Trata-se, a grosso modo, de um conteúdo de transição. Por mais que alguns roteiros sejam publicados ou disponibilizados para download, esse não é um tipo de texto que tem, como sua função principal, servir para a apreciação de leitores em geral da mesma forma que um livro, por exemplo.

Ou seja, em seu cerne, o roteiro é um texto sobre o que virá a ser. Quanto a essa característica, o roteirista francês Jean-Claude Carrière, colaborador recorrente de Luis Buñuel, chega a comparar o roteiro a uma crisálida: “O roteiro representa um estado transitório, uma forma passageira destinada a desaparecer, como a larva ao se transformar em borboleta”.

Então, o roteiro não é um texto que precisa ser rico e valioso em questões literárias. O ideal é que esse tipo de conteúdo seja sucinto, objetivo, focado em ações e em questões visuais, a fim de guiar a produção de um filme.

É evidente que a abordagem de um roteiro varia dependendo de sua proposta, que pode ser clássica e bem marcada, estruturalmente falando, mas também há a possibilidade de enfoques fluidos e livres.

Neste texto, a propósito, levaremos em conta as técnicas de roteiro mais tradicionais, a fim de que as aplicações desses recursos façam mais sentido ao realizarmos a transposição para textos de marketing digital.

Outra razão para essa escolha reside em conferir um caráter mais prático a este texto. Para que você que o lê consiga aplicar as nossas dicas de forma mais eficiente. De qualquer forma, lembre-se de que este é um texto livre, então use-o da forma que achar mais adequada. Confiamos no seu bom senso!

Como técnicas de roteiro podem servir de inspiração na produção de conteúdos web

Você não tem culpa se não acreditar que é possível utilizar técnicas de roteiros em conteúdos web. Mas já que chegou até aqui, que tal conferir as nossas dicas até o fim? É que abordaremos, a seguir, como otimizar a estrutura do seu texto, alinhar as suas intenções à percepção do seu público e muito mais! E, de brinde, ainda citamos filmes e séries para ver — ou rever. Que tal?

Aplique os pontos de virada à estrutura do texto

Vamos dar uma passadinha rápida na Grécia Antiga? Estamos, então, por volta de 384 a.C a 322 a.C, quando o filósofo Aristóteles concebeu a famosa estrutura de 3 atos

Inclusive, já ouviu falar dela? Com certeza, a sua resposta para essa pergunta é “sim”! Afinal, esse paradigma concebe, a grosso modo, a divisão clássica das histórias em início, meio e fim. 

Avançando um pouco mais no tempo, desembarcando no século XX, chegamos até o roteirista norte-americano Sid Field, que transpôs a lógica dos três atos para as técnicas roteiro de cinema, em seu livro “Manual do Roteiro — Os Fundamentos do Texto Cinematográfico”. Resumidamente, ele considerava o seguinte:

  • 1º ato ou apresentação: compreende, basicamente, a apresentação do universo em que o protagonista vive. Essa realidade está em estabilidade até que, após um incidente incitante, o nosso herói (ou heroína) é levado a agir para entrar em uma nova realidade — à aventura que lhe espera. O famoso: “ou vai ou racha”;
  • 2º ato ou confronto: agora não há mais volta! É a parte da narrativa em que o protagonista passa por uma série de provações e precisa superá-las a fim de buscar uma nova situação de equilíbrio — diferente daquela que existia antes, vale frisar;
  • 3º ato ou resolução: é a hora da verdade, quando a história chega ao seu ponto máximo — o clímax. Aqui, o protagonista encara o confronto final esperando encontrar um novo cenário de estabilidade ao fim da obra.

Esse resuminho serviu para introduzir um outro termo utilizado por Sid Field: pontos de virada, que seriam incidentes que acontecem nos fins dos atos 1 e 2 a fim de puxar a história para frente. Esse tipo de acontecimento, nas palavras do autor, “‘engancha’ na ação e a reverte noutra direção”.

Um exemplo de subir pelas paredes

Peguemos como o exemplo o filme Homem-Aranha, de 2002, dirigido por Sam Raimi. O primeiro ponto de virada, no início da história, seria a decisão de Peter Parker se tornar um super-herói após entender que o assassino do seu tio é o sujeito que deixou fugir no dia do crime.

A partir da constatação de que perdeu a oportunidade de evitar o pior, Parker embarca em uma jornada dedicada a combater o crime, usando seus poderes para salvar outros tios Bens que surgissem em seu caminho. Até que um novo ponto de virada surge para redirecionar a ação.

Trata-se do momento em que Norman Osborn, o Duende Verde, descobre que Peter é a identidade secreta do Homem-Aranha. A partir daí, a história caminha para os seus instantes derradeiros, quando o personagem passa pela sua maior provação: escolher se salvará o seu grande amor, Mary Jane, ou um bondinho cheio de crianças.

Uma adaptação para o marketing de conteúdo

OK, mas como transpor esse princípio de pontos de virada para um conteúdo de uma estratégia de marketing digital, como um blog post ou um e-book? Uma abordagem possível é partir da estrutura desses materiais, adaptando-a ao paradigma dos três atos.

  • Introdução = primeiro ato.
  • Texto segmentado pelos intertítulos = segundo ato.
  • Conclusão e CTA = terceiro ato.

A lógica dos pontos de virada poderia aparecer, portanto, na transição entre as partes do texto. Ou seja: na chamada para a leitura que existe na introdução para instigar a persona a conferir o texto e no início da introdução, que direciona para uma reflexão sobre o que foi lido, encaminhando para a ação da CTA.

Esse tipo de abordagem não demanda, necessariamente, uma mudança no foco do texto, mas trata-se da inserção de elementos que surpreendam, estimulem e despertem a atenção de quem lê. Isso pode surgir por meio de uma pergunta provocativa, seguida por uma resposta contundente, ou de ganchos que prometam e, posteriormente, cumpram uma promessa durante a leitura.

Basta pensar em possibilidades e testá-las, de forma que façam sentido para você e contribuam para a produção de um conteúdo relevante e alinhado à persona e às diretrizes do projeto.

Trabalhe o subtexto cuidadosamente

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define o termo subtexto como “conteúdo ou conjunto de conteúdos implícito num texto”. Em outras palavras, trata-se de uma história subterrânea, que existe nas entrelinhas.

Não é aquilo que percebemos na superfície, por se desenvolver “por baixo dos panos”, podendo — ou não — se encontrar de maneira mais evidente com a história principal em algum momento. Quando esse encontro acontece, geralmente, estamos no clímax da narrativa. 

Subtextos em aranhas, lobisomens, icebergs etc.

Para que você entenda melhor por que cargas d’água o subtexto é importante, vamos reencontrar um exemplo já citado por aqui. No primeiro filme do Homem-Aranha (e em praticamente qualquer adaptação do personagem), por trás da luta contra o crime, das cenas de ação e dos personagens de collant colorido, existe uma história sobre amadurecimento.

A passagem da adolescência para a vida adulta fica evidente na forma como o protagonista precisa lidar com as suas escolhas e as consequências delas. Inclusive, os super-poderes que ele ganha ao ser picado por uma aranha radioativa apresentam um paralelo com as mudanças no corpo que as pessoas experimentam durante a puberdade.

Outras franquias de peso, como “Harry Potter” e “Star Wars”, também desenvolvem a passagem para a vida adulta em seu subtexto. Na saga de Luke Skywalker, inclusive, temos até o conflito do herói com seu pai acontecendo durante as guerras naquela galáxia muito distante. 

Assim como os filmes de fantasia e ficção científica, o terror também é um gênero que se fortalece quando trabalha o subtexto com eficiência. Em “As Boas Maneiras”, por exemplo, as repressões sociais são trabalhadas por baixo de uma tensa releitura da lenda do lobisomem.

Outros usos

E o uso notável de subtextos não fica restrito às obras de cunho fantástico. Basta nos recordarmos de “Titanic”, que traça — sob a trágica história de amor que em um navio que naufraga — a busca da protagonista Rose para ser livre diante uma sociedade opressora. O amor que ela vive com Jack, vale notar, é uma entre as consequências desse desejo dela.

Como você deve ter percebido, essa história que se desenvolve na superfície faz com que nos identifiquemos com as narrativas que acompanhamos. Podemos até não empunhar sabres de luz contra os nossos pais ou termos o desprazer de trombar em um iceberg, mas vez ou outra, passamos por problemas familiares ou amorosos. 

Subtextos aplicados à redação web

No caso do Marketing de Conteúdo, podemos ligar essa chave da identificação por meio do subtexto de forma estratégica, com dicas e orientações sutis que direcionem a persona para as soluções do projeto.

Então, é interessante pensarmos quais são as histórias que contamos: aquela que se desenvolve na superfície e que é mais evidente, mas também a que surge de forma subterrânea.

Digamos que você precisa escrever um conteúdo sobre leads para uma agência de Marketing Digital. O que parece mais óbvio, de antemão, é que será necessário explicar o conceito em questão, a sua importância, como ele se insere dentro de uma estratégia etc.

Entretanto, é vital fazer emergir, de forma sutil e orgânica, exemplos atrelados à realidade da persona. Isso ajuda o público a se identificar com aquela explicação técnica, enxergando-a na sua realidade e sentindo-se cada vez mais atraído pelos serviços que o projeto pode oferecer.

Essa abordagem confere um caráter humano ao conteúdo, que entra em contato com as dores e necessidades da persona. Aquilo que o seu cliente oferta, então, passa a ser uma consequência natural na trajetória do público que lê o texto.

Ao fim do texto, no clímax da sua explicação, as duas histórias podem se unir e se fortalecer, com uma conclusão e uma CTA que amarrem as pontas e deixem mais evidente o porquê de aquela leitura fazer tanto sentido.

Mantenha-se fiel ao “Ethos” e/ou à “pensata”

Agora, vamos voltar rapidinho pela Grécia Antiga, para, em seguida, desembarcarmos no Brasil. A primeira parada já é conhecida de quem lê este texto. Trata-se da mente de Aristóteles, que concebeu o conceito de “Ethos” como a razão pela qual se escreve. Ou seja: algo similar à “moral” da história que as fábulas trazem em seu final.

O lendário roteirista brasileiro Doc Comparato, em sua obra seminal “Da Criação ao Roteiro”, adota e adapta o termo “Ethos” para a lógica das técnicas de roteiro, concebendo-o como a razão que motiva aquela escrita.

Algo similar ao que a sua compatriota, a roteirista, escritora e doutora Sônia Rodrigues — autora de “Como Escrever Séries: Roteiro a partir dos maiores sucessos da TV” — destaca ao trazer a ideia de “pensata” à tona como um “conceito moral” por trás de uma obra.

Ou seja: um roteiro deve trazer um forte princípio implícito a fim de que quem assiste à futura obra audiovisual enxergue valor naquela experiência. Já pensou, a propósito, qual seria o “Ethos” ou a “pensata” por trás dos seus filmes e das suas séries do coração? Qual ponto os autores queriam “provar” por meio daquele trabalho?

A moral de mocinhos e bandidos

Citando, novamente, o primeiro filme do Homem-Aranha — e praticamente todas as versões do herói em variadas mídias — o “Ethos” parece ser o próprio lema do herói: “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. 

Afinal, a história toda caminha para essa conclusão ao retratar a trajetória do protagonista que descobre que os seus poderes recém-adquiridos não devem ser utilizados em benefício próprio, mas sim em prol do coletivo. A constatação final disso é quando, no fim do filme de 2002, Peter abdica do amor de Mary Jane para protegê-la de eventuais inimigos que possam descobrir a sua relação com a ruiva.

Nas séries, também é possível identificar esse princípio embutido na trama. Na antologia “Fargo”, baseada no filme homônimo dos irmãos Coen, por exemplo, a história tende a guiar o público para o entendimento de que o mal produz consequências devastadoras nas pessoas e naqueles que estão à sua volta. Então o melhor a se fazer é se afastar dele!

Coisa que o protagonista da primeira temporada, Lester Nygaard, não faz. Ao seguir um caminho de crimes e trapaças — instigado pelo vilão Lorne Malvo —, Lester se envolverá em uma teia de intrigas que o sufocará até a sua própria derrocada.

A moral nos textos que você escreve

Você já deve ter percebido que o Ethos se relaciona com texto e subtexto, tendo em vista que abordamos aqui conceitos intimamente ligados à experiência do público com determinado conteúdo.

Então, quando falamos em redação web, o segredo é pensar com clareza no princípio moral do seu texto e se manter fiel a ele até o fim. Os conteúdos web devem, portanto, sempre passar um aprendizado específico, que fique claro para a persona ao fim da leitura.

Isso ajuda quem escreve a se manter nos trilhos, não perder o foco e evitar contradições ao longo da narrativa. Uma boa prática, portanto, pode ser pensar em uma frase como “destino” nesse percurso de escrita.

No exemplo discutido há alguns parágrafos, do conteúdo sobre leads para uma agência de marketing digital, a mensagem a ser fixada na mente do público poderia ser, por exemplo: “você precisa gerar leads qualificadas para o seu negócio”.

Não é necessário deixar essa pensata explícita ao fim do texto — a menos que essa seja a proposta do conteúdo. O importante é que a pessoa responsável pela redação só se contente com o seu trabalho de escrita quando ela percebe que ele leva o público a essa constatação.

Inclusive, esperamos que, com esta leitura, você tenha chegado à conclusão de que podemos aprender bastante “misturando” princípios e fundamentos de técnicas de roteiro e outras formas de conteúdo. Esse “intercâmbio” entre mídias fortalece o nosso trabalho enquanto autores e nos estimula a encontrarmos soluções diferentes a cada produção.

E para quem encara o desafio de se aperfeiçoar na redação web, nada melhor do que ler este conteúdo sobre como (re)encontrar — sem “fórmulas mágicas” — o prazer na escrita!

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