Se você é um redator com um mínimo de experiência e já acompanha o nosso blog há algum tempo, provavelmente está cansado de escutar que não é só porque está escrevendo para a internet que pode sair por aí infringindo as leis do português. O problema é que, com a nova ortografia, você pode estar cometendo atentados terríveis contra a nossa língua sem ao menos saber! Já pensou?
A “nova” ortografia, na verdade, foi acordada entre o Brasil, Portugal e outros países lusófonos em 1990, mas só em 2008 resolvemos fazê-la valer, e o prazo para se adequar, que era até 2012, foi adiado para 2016. Uma sorte para você, que ainda escreve “dia-a-dia” com hífen e insiste em colocar trema em “lingüiça”.
Mas não se preocupe: no texto de hoje você vai entender de uma vez por todas o que mudou na nossa língua. Vamos lá!
Trema
Essa é para muitos a mudança mais fácil, afinal, basta parar de colocar trema em palavras como “freqüência”, “tranqüilo”, “cinqüenta” e assim por diante. Simples, não?
Atenção!
As palavras estrangeiras e suas derivadas continuam com trema. Um exemplo é o nome do pintor alemão Dürer e suas obras, que podem ser chamadas de dürerianas.
Acento diferencial
Sabe aquele acento que diferencia o “pêlo” do seu gato da preposição “pelo”? Infelizmente ele agora se foi para deixar apenas saudades. Para a tristeza de muita gente com dificuldades em diferenciar essas palavrinhas em seu contexto, o acento diferencial caiu no Acordo Ortográfico.
Isso significa que você não pode mais escrever que “pára para observar a lua”, que “gosta de comer pêra” nem que “detesta camisa pólo”.
Atenção!
Em compensação, você ainda pode escrever que “ontem pôde pôr uma fôrma de vidro por cima do armário em forma de retângulo que seu filho pequeno não pode alcançar”! Que alívio, não?
O verbo “pôr” continua com acento, assim como o pretérito de “poder” na terceira pessoa do singular (ele pôde). O acento em “fôrma” passa a ser facultativo!
Acento em ditongos abertos
Se você estiver minimamente antenado nas mudanças que o Acordo Ortográfico trouxe para o Brasil, deve saber que a palavra “ideia” não tem mais acento. Mas sabe em que outras palavras você não deve mais usar o sinal?
Para entender, precisamos voltar aos primórdios do ensino fundamental e nos lembrar da divisão silábica do português: as palavras que perderam o acento são as paroxítonas (sim, elas mesmas, voltando para tirar seu sono depois de tantos anos; de trás para frente, são as que têm tônica na segunda sílaba, como “an-ti-go” ou “ca-be-lo”) com ditongo aberto de “éi” ou “ói”.
Ainda está se perguntando o que diabos é um ditongo? A gente explica: são duas vogais que se juntam na mesma sílaba, como em “bei-jo” ou “qua-se”.
Resumindo: além de “ideia”, todas as outras palavras com tônica em “ei” ou “oi” aberto (com som de “ó” no lugar de “ô” e “é” no lugar de “ê”) não têm mais acento. Estamos falando aqui de termos como:
- “Joia” (som de “ói”);
- “paranoico” (som de “ói”);
- “estreia” (som de “éi”);
- “debiloide” (som de “ói”);
- e até “Coreia” (som de “éi”)!
Atenção!
Mas calma, não vá se empolgar e se esquecer da nossa querida paroxítona. Lembre-se de que a regra não se aplica a palavras monossilábicas tônicas — como “dói”— nem às oxítonas, que têm sua tônica na última sílaba da palavra — é o caso de “papéis” e “herói”.
Acento em vogais repetidas
Outro acento ao qual damos adeus com a nova ortografia é o circunflexo que marcava a tônica nas palavras terminadas em “oo”, “oos” ou “eem”.
Assim, “vôos longos” não mais “te darão enjôo”, mas as pessoas “leem o jornal” quando “veem uma manchete interessante”. Sacou?
Atenção!
Vale lembrar que os acentos que diferenciam a conjugação na terceira pessoa do plural e do singular em verbos como “ter”, “vir” e “conter” se mantêm! Falamos deles neste post aqui.
Além disso, fique de olho para não se confundir. A regra se aplica só às palavras terminadas nessas letras. “Alcoólico”, por exemplo, continua com acento, pois não termina em “oo”!
Hífen
Por fim, chegamos ao que talvez seja a mais polêmica mudança trazida pelo nosso acordo lusófono: o uso do hífen. A princípio, ele pode parecer totalmente aleatório, mas (felizmente!) não é! Anote essas regras e torne-se agora um mestre dos tracinhos:
Onde pode
- Expressões compostas por palavras idênticas ou parecidas, como “pega-pega”, “pingue-pongue”, “vice-versa” e “blá-blá-blá”;
- nomes compostos com uso de apóstrofe, como “pé-d’água”;
- termos que se referem a espécies de plantas ou animais, como “erva-doce”, “cheiro-verde” ou “mico-leão-dourado”;
- palavras derivadas de nomes de lugares, como “ponte Rio-Niterói” ou “norte-americano” — embora “estadunidense” seja o mais correto para se referir a quem vem dos EUA;
- prefixos “além-”, “aquém-”, “ex-”, “recém-”, “pós-”, “pré-”, “pró-”, “sem-” e “vice-”;
- palavras compostas sem elementos de ligação, como “arco-íris”, “guarda-roupa”, “segunda-feira” e “joão-ninguém” (aqui há exceções, veja o número 1 abaixo);
- prefixos “sob-” e “sub-” seguidos de elemento começado por “r”, como “sub-regional”;
- adjetivos e substantivos precedidos de “bem”, como “bem-estar” e “bem-humorado”;
- adjetivos e substantivos precedidos de “mal”e começados em “l”, “h” ou vogal, como “mal-estar”, “mal-limpo” e “mal-humorado” (veja exceções de número 2);
- e prefixos seguidos de palavras que começam por “h”, como “super-homem” ou pela mesma letra que a última do prefixo, como “micro-ondas” e “anti-inflamatório”.
Onde não pode
- Locuções com elemento de ligação, como “dia a dia”, “água de coco” ou “café da manhã”, e expressões de base oracional como “maria vai com as outras” ou “água que passarinho não bebe” (veja exceções de número 3 abaixo);
- palavras em que o prefixo termina em vogal e é seguido de elemento começado em outra vogal ou consoante, como em “autoescola”, “contrapartida” e “infraestrutura”;
- prefixo terminado em consoante, como em “supersônico” ou “intermunicipal” (exceto no caso número 4, abaixo);
- palavras com prefixo “co-” seguido de elemento começando com “o”, como “cooperação”;
- prefixo “re-” seguido de “e” ou “h”, como em “reescrever” e “reabilitação”;
- prefixo “pre-” ou “pro-” átonos (sem acento), como em “proatividade” ou “preexistente”;
- formação de palavras com “quase” e “não”, como “não obediência” ou “quase delito”;
- e palavras com prefixo terminado em vogal e segundo elemento começado por “r” ou “s”, nesse caso dobra-se a consoante, como em “monossilábico” ou “semirreta”.
Ufa! Claro que não precisa decorar a lista, mas com o tempo você vai se acostumando. Na dúvida, vale colocar esse post nos seus favoritos para consultar sempre que precisar, não é?
Veja agora as exceções das quais falamos.
Atenção!
Sim, como tudo na vida (suspiro!) a regra do hífen também vem com algumas exceções. Confira-as a seguir, numeradas segundo mencionado acima:
- Palavras compostas que já perderam a ideia de composição, como “girassol” e “paraquedas”, não têm hífen, ok?
- Não se usa o hífen quando “mal” significa doença e tem elemento de ligação, como “mal de Alzheimer”.
- Algumas locuções se consagraram com hífen e por isso continuarão assim, são elas “água-de-colônia”, ”arco-da-velha”, “cor-de-rosa”, “mais-que-perfeito”, “pé-de-meia”, “ao-deus-dará” e “à-queima-roupa”. Anotou?
- No caso dos prefixos “circum-” e “pan-”, usa-se hífen quando são seguido de “m”, “n” ou vogal, como em “circum-navegação” ou “pan-americano”.
Como toda mudança, a nova ortografia veio acompanhada de muita resistência e críticas, mas a essa altura do campeonato, o importante é aceitar que ela veio para ficar e, a partir disso, ficar de olho para cumprir com as novas regras. Se você ainda está encucado com alguma mudança, comente e compartilhe sua dúvida com a gente!